quarta-feira, 13 de julho de 2011

Chefe de agência nuclear defende órgão regulador do setor


Especialista em materiais para reatores atômicos e professor da Escola Politécnica da USP, Angelo Padilha defendeu a essencialidade da tecnologia nuclear para a humanidade ao tomar posse na presidência da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear). 

Em discurso e em entrevista à Folha, Padilha quis enfatizar que a utilidade da tecnologia vai além da produção de energia nuclear, que está sendo questionada depois do acidente na usina de Fukushima, no Japão, atingida pelo tsunami de 11 de março. 

Citou como exemplos o reator de propulsão para o submarino nuclear da Marinha, de cujo projeto participou, e a produção de radioisótopos para a medicina. 

Disse que a prioridade dele e do Ministério de Ciência e Tecnologia (ao qual a Cnen está subordinada) é a construção do reator multipropósito que tornará o Brasil autossuficiente na fabricação de elementos usados em exames de imagem e tratamento de doenças. 

Padilha evitou opinar sobre se o Brasil deve ou não construir novas usinas além de Angra 3. Afirmou que é favorável à criação de uma agência reguladora nuclear, que assumiria atividades de licenciamento e fiscalização hoje exercidas pela Cnen. 

A separação é defendida pela Sociedade Brasileira de Física, mas combatida pela direção da associação de servidores da Cnen. Padilha, 59, substituiu Odair Dias Gonçalves, professor da UFRJ, que estava no cargo desde 2003. Leia abaixo a íntegra da entrevista. 


Folha - O sr. toma posse num momento de questionamento do futuro da energia nuclear. O governo não decidiu se fará mais usinas além de Angra 3 e disso pode depender a ampliação da capacidade da fábrica de combustível atômico de Resende, da qual a Cnen é acionista majoritária. Qual a sua posição nesse debate?
 
Angelo Padilha- A área nuclear tem cinco protagonistas principais: a Cnen, que tem responsabilidade de fiscalização, licenciamento, gestão dos institutos nucleares, faz fomento, formação de pessoal; a Eletronuclear, do Ministério de Minas e Energia, a empresa responsável pela geração de energia pelas usinas termonucleares; a INB (Indústrias Nucleares Brasileiras) e a Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), que também estão no Ministério de Ciência e Tecnologia e são fabricantes de equipamentos; a Marinha, que atua na área de enriquecimento isotópico e no submarino de propulsão nuclear; e o quinto protagonista é o Ministério das Relações Exteriores, que faz a relação com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), com a Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade). São cinco protagonistas e neles a Cnen tem um papel de liderança.
Sempre que acontece um acidente das proporções de Fukushima, isso é horrível para a população local. Para os programas nucleares do próprio país e dos outros países, é uma oportunidade de reavaliação. Os engenheiros procuram descobrir as causas e soluções para elas. Isso já aconteceu inúmeras vezes, em Three Mile Island (1979, EUA), Tchernobil (1986, Ucrânia). É natural e está acontecendo uma reavaliação de todos os programas nucleares no mundo. Como engenheiro nuclear, não só como presidente da Cnen, o problema está na minha mente. 

Qual é a sua posição?
Como disse, a parte de geração de energia é do Ministério de Minas e Energia. A decisão não tem a ver diretamente com a Cnen. Por coincidência e também por sorte para nossa área, uma das maiores especialistas em energia do mundo é a presidente Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia e antes disso atuou nessa área no Rio Grande do Sul. A decisão de quantos novos reatores teremos ou não está em boas mãos. Estou tranquilo quanto à decisão. 

Antes de Fukushima esperava-se um boom da energia nuclear no mundo, até para reduzir o aquecimento global. O acidente justifica um recuo? Como professor, qual sua avaliação?
Bom, agora sou presidente da Cnen. Mas a reavaliação é natural. Nós já temos algumas decisões. Tem a da Alemanha, que é predominantemente política e não técnica. Outros países, como a China, estão mantendo. O Brasil está numa situação muito confortável porque nossa matriz energética permite várias outras alternativas. A presidente Dilma já se manifestou sobre isso ontem [quarta-feira], falou em construir novas hidrelétricas. 

Ela falou em usina nuclear como um risco. Há países, como França e China, que não veem assim.
Olha, o risco de qualquer tipo de energia é inegável, seja uma hidrelétrica, uma termonuclear. Inclusive é uma disciplina no curso de engenharia nuclear, a área de riscos. Não é nenhuma surpresa a declaração dela. 

A decisão do governo sobre novas usinas poderá ter consequências para atividades em que a Cnen tem peso. Existe o projeto de uma fábrica de centrífugas para aumentar a capacidade da INB, a exploração das minas de urânio.
A tecnologia nuclear não é só produção de energia, que no Brasil é proporcionalmente pequena. Tem a área de radioisótopos. Cerca de 3 milhões de brasileiros se beneficiam anualmente de radioisótopos, produzidos em instalações da Cnen. A Cnen tem atividades de fiscalização e licenciamento, que também continuam. A Cnen explora os minerais nucleares: urânio, tório, terras raras. Isso também continua.
É inegável a importância do acidente de Fukushima. Claro que estamos prestando atenção em decisões como a que a Alemanha tomou. Mas, no programa nuclear brasileiro, a geração de energia tem uma importância pequena. Em determinado momento, a gente pode abrir mão dessa energia, não é bom, mas podemos. Mas dos radioisótopos não podemos abrir mão. 

Hoje o Brasil depende da importação de radioisótopos e até já teve problema de fornecimento. Para a construção do reator multipropósito, que resolveria esse problema, foi assinado um acordo de intenções com a Argentina para um projeto conjunto. Como analisa a participação argentina e que prioridade atribui ao projeto?
A implantação do reator multipropósito brasileiro é a prioridade da área nuclear no MCT. É a prioridade número um da Cnen e nós já temos previstos para este ano cerca de R$ 20 milhões. Já foi assinado entre a Marinha e o MCT um termo de cessão da área em que será instalado o reator. Já tem um projeto inicial. Essa é a minha prioridade número um e eu tenho que acelerar a implantação desse reator. 

E a parceria com a Argentina?
Eu participei do projeto do primeiro reator brasileiro de potência, de propulsão para o submarino. É um PWR [reator de água pressurizada], com potência menor do que os de Angra, mas basicamente é o mesmo e as exigências são maiores, porque o de Angra está parado e o do submarino está em movimento. O Brasil tem capacidade de projetar reatores mais complicados até do que esse. 

O acordo com a Argentina não é em função da nossa incapacidade técnica. Quem coordenou o projeto do reator para o submarino é o mesmo que está coordenando o do reator multipropósito, que é o engenheiro José Augusto Perrota [diretor de projetos especiais do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares]. Ele continuará na minha gestão com essas funções e talvez até maiores. 

Por que então fazer em conjunto com a Argentina? A Argentina desenvolveu a capacidade de projetar reatores de pesquisa, e já projetou um muito importante, para a Austrália. Nós temos um corpo técnico muito competente, que já projetou um reator mais complicado que esse, mas com um número limitado de engenheiros e especialistas. O nosso não será exatamente igual ao da Austrália porque queremos algumas coisas um pouco diferentes. Eu acho [a parceria] positiva. Vamos somar experiências. Na área nuclear nós temos uma interação muito boa com a Argentina, inclusive depois da criação da Abacc. Trabalhar junto com a Argentina não é um jogo São Paulo x Boca Juniors. 

Existe a proposta de divisão da Cnen. A atribuição de licenciar e fiscalizar iria para uma agência, como defende a Sociedade Brasileira de Física. Qual a sua posição?
A criação da agência reguladora nuclear brasileira é um consenso na comunidade científica. Diria que é irreversível, necessária. Nós já temos um projeto inicial, que considero razoável, bom. Ele foi entregue ao MCT, foi distribuído inclusive aos cinco protagonistas da área, que precisam opinar, e já começou a receber críticas e sugestões. Eu preciso coletar todas essas sugestões, fazer uma nova proposta, que deve ser discutida novamente, para que a gente tenha um projeto de agência muito bom. Essa é uma das minhas tarefas e uma das metas da minha gestão. 

A Sociedade Brasileira de Física tem uma comissão de acompanhamento do programa nuclear. Temos o maior interesse e considero uma obrigação minha me reunir com essa comissão, e acho que eles podem dar grandes contribuições para o modelo da agência reguladora. 

O sr. então é a favor? Isso significa que a Cnen perderá algumas atribuições.
Sou a favor. O que interessa é que o país ganha, não se o poder político do presidente da Cnen aumenta ou diminui. Isso é secundário. Estou exercendo uma função de Estado. 

Nos últimos anos houve polêmicas envolvendo licenciamento. Angra 2 passou dez anos com licença provisória, houve denúncias de vazamento na mina de Caetité (BA). Como analisa esses problemas?
Angra 2 está resolvido, e não é mérito da minha gestão. A licença permanente foi publicada no dia 23, na gestão do doutor Odair Dias Gonçalves. Na mina de Caetité, o último evento foi que o [concentrado de] urânio que a Marinha emprestou, para ser reimbalado em Caetité e de lá embarcar [para ser transformado em gás no exterior, etapa anterior à fabricação do combustível], foi divulgado que seria uma espécie de lixo nuclear. Isso era absolutamente falso. A Cnen estava fiscalizando e acabou resolvido. Foi o problema mais recente, mas não o mais grave. O mais grave é se aquelas instalações oferecem algum risco. Aquele usina é operada pela INB e a Cnen faz o licenciamento e a fiscalização, no local. Para aumentar a produção de urânio, aquelas instalações precisam ser ampliadas, e a Cnen precisa licenciar.
A Cnen tem que ser atenta e rigorosa, mas tem que ser ágil. Ninguém pode reclamar pela Cnen ser atenta e rigorosa. A reclamação deve ser: “vocês precisam ser mais ágeis”, tem que ter mais fiscais, um tempo de tramitação mais rápido desses processos de licenciamento. Aí aceito a crítica, mas não de que somos atentos e rigorosos. É nossa obrigação. 

Apesar de ter grandes reservas de urânio, o Brasil ainda tem que importar.
É por isso que a INB quer ampliar a capacidade de produção de Caetité. Eles também têm um cronograma. 

Quanto de urânio combustível um reator multipropósito absorve?
Isso é pouco. A questão é o consumo de urânio para Angras 1, 2 e 3. 

Mas se o Brasil ficar só em três usinas nucleares, que utilidade dará às reservas? Vai exportar o mineral ou o combustível?
Algumas coisas de fato dependem do número de usinas. Se o Brasil tivesse um número alto, cinco, seis, isso daria escala à produção. Se a decisão do Ministério das Minas e Energia for manter um número menor de reatores, o problema de escala existe. Mas o problema mais urgente para nós é sermos autônomos para ter urânio para as usinas de Angra. 

Se o Brasil ficar só em três usinas, vai deixar as reservas inexploradas?
A situação atual é o contrário. Não estamos conseguindo suprir Angra 1. O mais urgente para a INB é que ela produza o urânio necessário para Angras 1 e 2.
Mas a reserva brasileira dá para muito mais.
As do Brasil estão entre as seis maiores, pelo que sabemos hoje. Se você fizesse essa pergunta relativa a petróleo há cinco, dez anos, o quadro seria diferente. Provavelmente descobriremos novas reservas de urânio no Brasil. A sua preocupação externa uma preocupação de médio e longo prazo, e eu estou respondendo no curto prazo. 

E o que impede hoje que se produza o suficiente para as duas usinas? Faltam investimentos?
Isso está dentro do planejamento, mas quem tem os detalhes é o presidente da INB. O papel da Cnen é fiscalizar e licenciar. 

O sr. tem algo a acrescentar sobre seus objetivos na Cnen?
Há alguns pontos importantes. Eu gostaria de aumentar a interação entre os próprios institutos de pesquisa da Cnen, para reduzir a duplicação de recursos. Outra prioridade da minha gestão é aumentar a interação dos institutos de pesquisa da Cnen com as universidades e os institutos de pesquisa externos, a UFRJ, a USP, a Unicamp. Nessas universidades há muitas atividades relacionadas com a área nuclear, precisamos melhorar esse relacionamento que já existe. Estou também preocupado com a formação de pessoal na área nuclear. 

Tem pouca gente especializada, não é?
Pouca gente e uma idade média muito alta. É preocupante. 

Se o governo decidir que não vai construir mais usina, o estímulo para formação de profissionais e pesquisa pode ser abalado, não?
Acredito que não. A UFRJ criou o primeiro curso de energia nuclear no Brasil, deve graduar a primeira turma. A USP está tentando criar, há uma tramitação interna. Outras universidades já manifestaram interesse, e vamos trabalhar com esse quadro. 

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